Fake News não são apenas mentiras deslavadas. Quer
dizer, muitas são, mas facilmente desmentidas. As que produzem efeitos fortes
são as fake mais elaboradas, com base em algumas verdades e muitas distorções.
Há um jeito simples de
entendê-las: buscar a história em sua fonte original, ali de onde partiu a
informação posteriormente manipulada.
O caso de hoje, claro, é o
comunicado do Comitê de Direitos Humanos da ONU, pedindo que o Brasil tome as
medidas necessárias para garantir que Lula, mesmo preso, participe das eleições
presidenciais com todos os direitos de candidato.
Aqui já temos um ponto: o
primeiro comunicado é do Comitê de Direitos Humanos, um órgão formado por 18
“especialistas” independentes – acadêmicos em geral – e que não tem nenhum
poder decisório ou mandatório. Está lá no site da ONU: a função do Comitê é
“supervisionar e monitorar” o cumprimento dos acordos internacionais de defesa
dos direitos humanos. E fazer recomendações, sempre em entendimento e consultas
com os países envolvidos.
Esse comunicado não foi
divulgado oficialmente, mas saiu em matéria da BBC, na última sexta-feira. Um
vazamento.
Depois, saiu uma nota do
Escritório de Direitos Humanos, no site oficial da ONU, com o título
“Information note” sobre o Comitê de Direitos Humanos. Ali se explica que não
se deve confundir o Comitê com o Conselho de Direitos Humanos – este um órgão
de alto nível, formado por representantes (diplomatas) de 47 países e que se
reporta à Assembleia Geral da Nações Unidas, o órgão máximo da entidade. E este
Conselho não decidiu absolutamente nada sobre esse caso.
Vai daí que são fake todas as
notícias do tipo: ONU manda, determina, exige que Lula participe da eleição;
Conselho da ONU decide a favor de Lula, (forçando uma confusão do Comitê com o
Conselho, por ignorância ou má fé); decisão do Comitê é obrigatória.
Tem mais. O próprio texto oficial da ONU faz as
ressalvas que denunciam indiretamente aquelas fake news. Diz: “é importante
notar que esta informação, embora seja emitida pelo Escritório das Nações Unidas
para Direitos Humanos, é uma decisão do Comitê de Direitos Humanos, formado por
especialistas independentes. (Logo) esta informação deve ser atribuída ao
Comitê de Direitos Humanos”.
Por que a ressalva? Óbvio, para
deixar claro que não se trata de decisão da ONU, nem do Conselho de Direitos
Humanos, nem do Alto Comissariado, muito menos da Assembleia Geral.
E isso, claro, faz diferença.
Pode-se dizer que o comunicado do Comitê é um primeiro passo para um longo
procedimento, inclusive de consultas, antes de qualquer decisão conclusiva.
Também é preciso ressaltar que a
segunda nota, a oficial, é uma resposta à repercussão da primeira.
E, de novo, é um órgão superior
descompromissando a ONU da decisão do Comitê.
Além do mais, a própria nota do
Comitê tem um jeitão de fake news. Por exemplo: pede que o “Brasil” ou o
“Estado brasileiro” garanta os direitos eleitorais de Lula. De que se trata? Do
executivo? Do Legislativo? Do Judiciário? Todo mundo sabe, ou deveria saber,
que o caso está no Judiciário, que é independente, e que os demais poderes não
podem fazer nada.
Logo, o Comitê deveria ter se
dirigido ao Judiciário. Mas como não pode fazer isso formalmente, sai com esse
vago “o Brasil” ou o “Estado”. Mostra que busca repercussão política e não
efeitos práticos.
Além disso, o Comitê endossa
totalmente a tese da defesa de Lula. Diz que o ex-presidente deve ser candidato
com plenos direitos, como uma medida liminar, uma cautela - “até que todos os
recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um
procedimento justo e que a condenação seja final”.
Ora, todo mundo sabe que, pela
decisão vigente do STF brasileiro, o condenado em segunda instância vai para a
cadeia cumprir pena, mesmo que ainda possa recorrer ao STJ e STF.
E, atenção: a função do Comitê é
supervisionar o cumprimento dos direitos humanos previstos nos diversos
tratados patrocinados pela ONU.
E em nenhum desses tratados está escrito que cumprir
pena depois da segunda instância é uma violação de direitos humanos. Reparem:
nenhum tratado internacional condena a execução da pena em segunda instância.
Nem em primeira instância – como ocorre em grande parte dos países, assunto que
nunca mereceu a atenção do Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Resumindo: a nota do Comitê é uma fake news, que
originou outras fake news.
Fonte G1
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